Computação nos objetos do cotidiano

Mauro Pinheiro


Na sua próxima viagem de avião, faça uma breve experiência na sala de embarque: olhe à sua volta e repare em quantas pessoas estarão vidradas nos seus telefones celulares, tablets e, não raro, notebooks. A situação é propícia: fechados em um salão, aguardando a chamada para embarcar, muitas vezes sem ter um lugar para assentar, as pessoas passam grande parte do tempo entretidas com seus computadores portáteis – porta de entrada para as redes sociais e conexão com o trabalho remoto. Enquanto aguardam, as pessoas jogam, leem notícias, trocam mensagens, repassam as últimas informações para a reunião vindoura, enfim, qualquer coisa que seja possível fazer com seus computadores. Poucos estarão lendo uma revista ou um livro – o que poderia nos levar a refletir também sobre os motivos do número cada vez menor de leitores ou sobre o futuro do livro impresso; mas esses são assuntos para outro artigo. O que importa nesse experimento é evidenciar a presença ostensiva dos computadores em nosso cotidiano.

Independente de qual seja o formato, uma coisa é certa: ao usarmos computadores, eles passam a ocupar o centro de nossa atenção. Se os computadores de mesa e os notebooks podem ser associados principalmente ao trabalho – o que justificaria um envolvimento maior de nossa atenção –, o mesmo não se aplica necessariamente aos tablets e smartphones. No entanto, é provável que muitos de nós já tenham passado pela situação desagradável de estar com alguém que está com sua atenção completamente voltada para seu “computador de bolso”, deixando-nos em segundo plano.

No início dos anos 90, muito tempo antes de os telefones celulares povoarem os bolsos da população mundial , no mítico Xerox Parc – Centro de Pesquisa da Xerox, em Palo Alto, Califórnia –, um grupo de pesquisadores se ocupava em propor caminhos alternativos para o desenvolvimento da computação. Sob a coordenação de Mark Weiser, esse grupo lançou a base conceitual do que viria a ser conhecido como “computação ubíqua”. A motivação era, segundo Weiser, tornar a computação invisível: uma tecnologia que estaria presente o tempo todo, mas de modo tão integrado às atividades cotidianas mais triviais que passaria despercebida, sendo utilizada sem demandar atenção ou esforço. Ao descrever sua visão da computação ubíqua, Weiser costumava fazer um paralelo com a eletricidade ou a escrita (o que considerava uma das primeiras “tecnologias de informação”): ambas seriam tecnologias facilmente incorporadas aos diversos objetos cotidianos, mas que não demandariam maior atenção para o seu uso (WEISER, 1991).

É importante salientar que Weiser se referia mais à computação e menos aos computadores. A distinção é sutil, mas fundamental para compreender a proposta. Não se trata apenas de repensar o computador que usamos hoje em dia, mas sim repensar o papel da computação no dia a dia, entendida aqui como a capacidade de processamento de dados em formato digital. A ideia de computação ubíqua é que objetos do cotidiano, dotados de componentes computacionais, possam captar ou receber informações, processá-las e, a partir de sua programação, executar alguma ação. Esse conceito se traduz no esquema computacional mais simples possível: input > processamento > output. Desconstrói-se então a ideia de um computador que concentra uma infinidade de programas, e que usamos para diversas atividades distintas, e passa-se a pensar em objetos corriqueiros com capacidade de realizar algum tipo de processamento computacional. É como se os objetos que já conhecemos passassem a ter “algo a mais”. E esse algo a mais faz com que os objetos coexistam no mundo físico e no ambiente digital, com possibilidades distintas em cada um desses ambientes.

Mais recentemente, o termo “computação ubíqua” tem sido menos utilizado, dando-se preferência a “computação pervasiva”. Enquanto o termo “ubíquo” significa “onipresente” – algo que está ao mesmo tempo em toda a parte – o termo “pervasivo” é um neologismo de termo em inglês pervasive, que deriva do latim pervādo, pervādere, significando “penetrar; percorrer, permear, ir além”. Trata-se então de uma computação que não só está em toda parte, mas que penetra, permeia os objetos e a vida cotidiana.

Jochen Schiller, da Freie Universität de Berlin, faz a seguinte comparação: “A computação pervasiva está para o computador tradicional assim como uma pilha está para uma usina hidrelétrica: não é tão potente, mas está em toda parte, em diferentes formatos, tamanhos, e é aplicável às mais diversas situações” (SCHILLER, 2005 apud BSI, 2006, tradução minha). Não se trata, portanto, de pensar em computadores mais potentes, mas de pensar possibilidades de aplicação da computação nas mais diversas situações.

Um dessas possibilidades de aplicação é a “computação vestível” (wearable computing), que busca integrar as vestimentas com componentes computacionais. Leah Buechley, do MIT, desenvolveu a Turn Signal Biking Jacket, uma jaqueta para ciclistas com luzes de LED nas costas, para que o ciclista, apenas apertando botões nos punhos da jaqueta, possa indicar mudança de direção enquanto pedala. A empresa Cute Circuit desenvolveu a camisa Hug Shirt, que permite que as pessoas enviem abraços à distância – camisas com sensores e atuadores de pressão se comunicam mediadas por um aplicativo para celular, que envia informações de uma camisa para a outra, reproduzindo o abraço enviado. Mitchell Page e Andrew Vande Moere, do Key Centre of Design Computing & Cognition da Universidade de Sydney, Austrália, desenvolveram o colete TeamAware para jogadores de basquete, com faixas luminosas que acendem informando aos jogadores o número de faltas, qual time está na frente do placar e quando o tempo do jogo está chegando ao fim (PAGE; VANDE MOERE, 2007).

A computação pervasiva também tem ampliado os limites da comunicação entre os seres vivos. No projeto Botanicalls, vasos de plantas comuns recebem sensores, que medem a umidade da terra e alertam seus proprietários quando necessitam de água ou quando foram regadas com água em demasia. A versão mais recente do sistema faz a comunicação com o site de rede social Twitter, de forma que a cada mudança no estado da planta, é publicada uma mensagem no site, de acordo com a situação monitorada pelo sensor de umidade.

Já no sistema Kickbee, uma cinta com sensores de movimento percebe quando um bebê se movimenta ainda na barriga de sua mãe. Os sensores se comunicam remotamente com um computador, que analisa os movimentos percebidos. Quando interpretados como um chute, o sistema dispara uma mensagem para o site Twitter, que pode enviar mensagens de texto para os telefones celulares do pai e da família do casal, ou quem mais tiver interesse em ser informado da movimentação do bebê.

Mas não somente os objetos podem fazer parte da computação pervasiva. A arquitetura, o espaço e os ambientes também têm sido explorados como interfaces com o mundo digital. O projeto Datafountain, de Koert van Mensvoort, do departamento de desenho industrial da Eindhoven University of Technology, é uma instalação na qual fontes de água têm sua vazão diretamente relacionada às variações das taxas de câmbio do Yen, Euro e Dólar (¥€$). Dessa forma, a altura das colunas d’água indica a flutuação das taxas de câmbio, fazendo com que um elemento normalmente decorativo ganhe uma nova função, passando a atuar como um sistema de informação ambiente. No Brasil, espaços interativos têm sido usados cada vez mais intensamente em projetos de exposição e campanhas publicitárias, nos quais ambientes dotados de sensores e telas ou projetores respondem aos movimentos dos visitantes. Nesse segmento no país, destacam-se empresas como YDreams, 32Bits, Jurema, SuperUber para citar algumas.

Evidentemente há uma série de questões a se discutir para a efetivação da computação pervasiva. Problemas como privacidade, aumento de custo energético para produção de uma variedade de componentes computacionais a serem incorporados aos objetos, descarte de material eletrônico, além da possibilidade de acirramento do fosso digital entre os que têm acesso à tecnologia e os que ainda se encontram à margem do desenvolvimento tecnológico. São muitas as questões que se encontram no centro das discussões dos fóruns especializados em computação pervasiva.

Como se vê, são inúmeras as possibilidades de aplicação da computação nos objetos e ambientes do nosso cotidiano. Ao mudar o paradigma da computação, abrimos as possibilidades de comunicação com o ambiente digital, de maneira que podemos nos concentrar ao que está a nossa volta. A computação passa a compor o cenário, o pano de fundo, e sai do nosso foco de atenção.

Referências

BOTANICALLS. Disponível em: http://www.botanicalls.com. Acesso em: 13 set. 2013.

BUECHLEY, Leah. Build: turn signal biking jacket. In: LilyPad Arduino. Disponível em: http://web.media.mit.edu/~leah/LilyPad/build/turn_signal_jacket.html. Acesso em: 13 set 2013.

BUNDESAMT FÜR SICHERHEIT IN DER INFORMATIONSTECHNIK (BSI). Pervasive computing: trends and impacts. Bonn: SecuMedia Verlags-GmbH, 2006.

CUTECIRCUIT. Hug Shirt. Disponível em: http://cutecircuit.com/hug-shirt. Acesso em: 13 set. 2013.

JUREMA. Disponível em: http://jurema.la. Acesso em 13 set. 2013.

KICKBEE. Disponível em: http://kickbee.net. Acesso em: 13 set. 2013.

WEISER, Mark. The computer of the 21st century. Scientific American, v. 265, n. 3, p. 66-75, jan. 1991.

PAGE, Mitchell; VANDE MOERE, Andrew. Evaluating a wearable display jersey for augmenting team sports awareness. In: PERVASIVE’07 Proceedings of the 5th international conference on Pervasive computing, Toronto, 2007.

SUPERUBER. Disponível em: http://www.superuber.com/. Acesso em 13 set. 2013

32BITS. Disponível em: http://32bits.com.br. Acesso em 13 set. 2013.

YDREAMS. Disponível em: http://ydreams.com. Acesso em 13 set. 2013.

Referência para este artigo

PINHEIRO, Mauro. Computação nos objetos do cotidiano. Revista Fonte, Belo Horizonte, ano 10, nº 13, p. 60 – 62, dez. 2013.