Design gráfico, design de produto…não há outra opção?

Há algum tempo, durante um evento acadêmico, eu conversava sobre os rumos de nossa profissão com alguns designers; entre eles, um colega com sólida trajetória profissional, dono de um escritório que atende grandes empresas e com projetos importantes em seu portfólio. Durante a conversa, ele disse acreditar só existirem duas áreas de atuação em nossa profissão: o design de produto e o design gráfico. Eu, que há mais de 10 anos trabalho com design de interação e arquitetura de informação, argumentei que existem áreas que não se enquadram nessa classificação “tradicional”, herança da época da implantação da primeira escola de design no país, nos anos 60. Disse-lhe que o design de interação conjuga questões que o aproximam tanto do design gráfico (ou design visual, para usar um termo mais abrangente) quanto do design de produto, mas que trata-se de algo distinto ― especialmente considerando que o design de interação vai além do design de interfaces para web ou celulares. E em se tratando de arquitetura de informação, campo de trabalho de alguns designers atualmente, a categorização “design de produto ou design gráfico” faz menos sentido ainda.

Meus argumentos foram inúteis. Meu colega parece não ter acompanhado as mudanças ocorridas no design nos últimos anos. Com uma compreensão limitada do design interação e da arquitetura de informação, ele insistia em classificar estas áreas como design gráfico, simplesmente porque o seu produto final mais conhecido, o website, tem uma apresentação visual. Não por acaso, o colega não desenvolveu um projeto sequer nessa área.

Ele não é o único a resistir na trincheira da divisão gráfico/produto, que moldou grande parte das escolas de design do país. Durante a criação da habilitação em mídia digital do curso de design de uma conhecida universidade, um de seus professores manifestou resistência, chegando a argumentar: “isso não é design”.

Essa visão mais “tradicional” não dá conta das possibilidades de atuação de nossa profissão nos dias de hoje. Não é mera coincidência já existirem no Brasil cursos de especialização em design de interação, um curso de mestrado em design com ênfase em hipermídia e novas tecnologias, além de cursos de graduação e pós-graduação com habilitação em mídia digital. Há anos o mercado emprega profissionais de design para atuarem no projeto de mídias interativas. Até pouco tempo atrás, na falta de uma formação específica, o mais comum era que esses profissionais viessem de cursos de design gráfico (ou mesmo outras áreas além do design). É com atraso que as universidades respondem a essa demanda, criando cursos específicos para discutir as questões ligadas ao projeto da interação homem-computador. Mas ainda há muito o que fazer.

No exterior o ensino de design de interação é um campo híbrido, que conjuga profissionais de ciências da computação e de design. Cursos de human computer interaction costumam fazer parte das escolas de informática, enquanto cursos de interaction design normalmente pertencem às escolas de design. Embora com enfoques distintos, ambos tratam do projeto de objetos interativos ― e o uso da palavra “objeto” aqui não é uma escolha casual. Enquanto no Brasil atuamos principalmente em projetos de interfaces para telas de computadores, o paradigma de nossos pares no exterior é mais amplo; qualquer objeto, dotado de uma “inteligência” computacional, com o qual (ou através do qual) podemos interagir, é um produto a ser desenvolvido. De roupas às paredes das casas, praticamente tudo pode ser pensado como uma interface com o ambiente virtual.

Enquanto escrevia este artigo, recebi o anúncio de um workshop voltado para designers de interação, promovido pelo Instituto de Design do Illinois Institute of Technology. Durante o workshop os participantes desenvolverão projetos de physical computing artifacts, objetos que integram o mundo físico e o mundo virtual, trabalhando com hardware e eletrônica. É cada vez mais comum que alunos de cursos de design de interação tenham que lidar com componentes de hardware e aprender alguma linguagem de programação básica, para desenvolver protótipos que permitam experimentar a interação planejada. Uma pesquisa rápida nos currículos dos cursos de interaction design e human computer interaction deixa clara essa tendência de atuarmos não só no campo virtual, como normalmente ocorre com arquitetos de informação, mas também de criarmos objetos dotados de sensores e sistemas computacionais “pondo a mão na massa”, em laboratórios semelhantes à oficina do Professor Pardal, personagem de Walt Disney que inventava coisas mirabolantes.

Ao ampliarmos o foco para além das telas de computadores, projetando “objetos inteligentes” que podem se valer de qualquer um de nossos sentidos como meios de interação, passamos a lidar com problemas que extrapolam questões visuais ou de navegação. O projeto desses artefatos envolve desde sua configuração física até seu comportamento lógico, suas respostas aos estímulos externos e a maneira como fazem a intermediação entre nós e o ambiente virtual.

Embora no Brasil o mercado de trabalho para designers de interação normalmente seja restrito ao projeto de interfaces para web, celulares ou games, a tendência é que nosso campo de atuação passe a incluir o projeto de objetos inteligentes. As categorias “design gráfico” e “design de produto” não são suficientes para definir uma área tão abrangente, na qual os limites entre o mundo físico e virtual são cada vez mais difusos. A insistência em tentar enquadrar o design de interação nessa categorização “tradicional” demonstra um desconhecimento do que significa projetar a interação homem-computador no mundo contemporâneo.

Já passou da hora das escolas de design adotarem currículos específicos para o design de interação. Caso contrário, ficaremos eternamente limitados a discutir qual o melhor lugar da página para posicionar o menu do site!

Referência para este artigo

PINHEIRO, Mauro. Design gráfico, design de produto…não há outra opção?. Revista Webdesign, Rio de Janeiro, ano 6, nº 63, p. 70 – 71, 01 mar. 2009.

1 de março de 2009