O impacto social das novas tecnologias no Brasil e no mundo

Mauro Pinheiro


Internet e seus efeitos de globalização

Muito tem sido discutido no meio acadêmico sobre o que representa a Internet no cenário mundial. Marcadamente distinguem-se duas posições, uma mais otimista que acredita que a Internet promoverá a integração entre os povos.

Outra vertente, mais pessimista, vê a rede como mais um instrumento de dominação e controle, a nova ferramenta que garantiria a permanência dos grupos econômicos que historicamente se mantém no poder.

Diante disso, fica a dúvida: a Internet é um instrumento que favorece a alteração ou permanência da ordem mundial?

Alguns motivos pelos quais a Internet tem sido vista como algo positivo para a sociedade:

Alguns motivos pelos quais a Internet tem sido vista como um instrumento de manutenção da situação mundial:

Tabela 1: Porcentagem de usuários da Internet em relação a população total

Finlândia 	27,9%
Estados Unidos 	27,8%
Canadá 		26%
Dinamarca 	22%
Inglaterra 	18%
Japão 		11%
África do Sul 	2,4%
Brasil 		2,1%
Egito		0,6%
México		0,5%
Índia		0,49%
Filipinas	0,03%

Dados referentes a dezembro de 1998.  Fonte: NUA Internet Surveys

 

Como esperar um ambiente plural quando apenas uma parcela da população mundial está participando desse processo – notadamente aquela que historicamente está a frente dos processos de produção e difusão da informação?

Permanência ou alteração? O fato é que nada está decidido ainda, o processo ainda é recente e muito pode ser feito. É importante perceber o potencial da Internet para construção de algo positivo, com a participação de todos os povos.

O final do século é marcado pela “globalização”, mas uma globalização onde ocorre a hegemonia de um grupo, um único modelo de desenvolvimento e de cultura que se impõe, uma globalização de cima para baixo, baseada na desconstrução da pluralidade a partir da imposição de um modelo único.

A Internet deveria ser utilizada para reverter esse quadro, permitindo que a diversidade fosse explicitada, fazendo com que os povos interagissem na busca de algo acima das diferenças políticas, econômicas e ideológicas, o “bem comum” a que se refere Phillipe Quéau, um bem comum construído com esforços e debates coletivos, e que envolvesse de fato todos aqueles que direta ou indiretamente sofrem com os efeitos da “globalização” atual.

WWW e o cidadão brasileiro: cultura, classe social e escolaridade

No Brasil, apesar do rápido crescimento do número de usuários, a Internet ainda é um privilégio para poucos, como vemos nos dados abaixo:

Perfil do usuário da Internet no Brasil

 

38%  têm nível de instrução superior
40%  têm o segundo grau completo
62%  falam a língua inglesa
64%  acessam a rede diariamente
43%  têm faixa salarial entre 20 e 50 salários mínimos

Total de entrevistados: 25.316

Enquanto isso...62% da população brasileira recebe menos de 5 salários mínimos ao mês


Nos grandes centros urbanos* do Brasil:

 5,0%	têm computadores
25,2%	têm telefone
26,5%	têm automóvel
26,9%	têm videocassete
33,2%	têm lava-roupas

Amostragem: 5.000 domicílios
* Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza. Fonte:IBGE

 

Falar da participação da população na Internet num país que ainda carece de serviços básicos como educação, saneamento básico, obras de infra-estrutura, etc. pode causar estranheza, mas o momento para essa discussão é mais do que oportuno.

Por estar ainda se desenvolvendo – embora com uma velocidade nunca vista em qualquer meio de comunicação até então – a Internet ainda apresenta possibilidades para ser moldada de acordo com a vontade de seus usuários. O problema é justamente permitir que mãos diversas possam modelar a massa bruta.

É importante destacar que quando falamos em democratizar o acesso à Internet, devemos ter em mente que a questão não se resume apenas a garantir acesso aos meios tecnológicos – computadores, linhas telefônicas, etc.

Tão importante quanto garantir o acesso à tecnologia é garantir que todos possam utilizá-la de maneira apropriada, ou melhor, que possam vir a aprender como utilizar de maneira apropriada a tecnologia desenvolvida, que teoricamente deveria beneficiar a todos indistintamente.

De maneira geral, historicamente o progresso tecnológico ocorre sem maiores preocupações com a diversidade cultural dos usuários finais do processo. Imagina-se que qualquer cidadão esteja apto a vir a compreender e utilizar corretamente os bricabraques que a modernidade engendra incessantemente.

Ignora-se nesse processo a diversidade sócio-cultural existente, a coexistência de diferentes grupos sociais, e isso por sua vez gera uma inadequação do produto aos seus usuários finais, ou pior ainda, limita a utilização de um produto a determinada casta privilegiada capaz de desvendar os seus mistérios. Aqueles que não forem capazes de desvendar o enigma da Esfinge serão devorados impiedosamente.

No Brasil, um país com contrastes sócio-culturais e econômicos tão marcantes, a Esfinge ameaça abocanhar grande parte da população, desconsiderada no processo de desenvolvimento tecnológico.

Um exemplo claro disso são as máquinas de auto-atendimento bancário, projetadas para uma população letrada, com domínio não só do alfabeto mas também com facilidade para apreender diferentes sistemas computadorizados. Num país onde cerca de 16% da população é analfabeta, imagina-se as dificuldades que tais sistemas apresentam para serem compreendidos e utilizados satisfatoriamente. Se para pessoas alfabetizadas a linguagem dos computadores ainda é extremamente complexa, que dirá para aqueles que não dominam os códigos mínimos que balizam grande parte dos sistemas de informação atuais – o alfabeto, a escrita e a leitura?

A crescente informatização em todos os setores da vida cotidiana aponta um quadro preocupante: como farão aqueles que não compreendem os códigos do meio digital para se relacionarem num mundo cada vez mais mediado pela máquina?

A forma como o desenvolvimento tecnológico tem se dado pode promover, mais uma vez, a exclusão social de grupos que não se orientam pelos mesmos códigos culturais utilizados por aqueles que dominam o processo.

Percebe-se então porque a discussão sobre utilização da Internet por grupos sociais diversos é tão importante neste momento.

A Internet pode vir a ser um instrumento poderoso de construção de um mundo melhor para todos, desde que seja realmente um veículo de acesso irrestrito. Para tanto é preciso viabilizar sua utilização por diferentes culturas, independente dos códigos que utilizem, uma vez que cada grupo social opera segundo sua própria lógica.

A pluralidade de códigos não deve ser vista como um empecilho para a comunicação, uma vez que o próprio processo comunicacional é um esforço contínuo, construído, negociado e redefinido a cada instante pelos atores envolvidos.

A tecnologia deve se adaptar aos diversos contextos culturais existentes, nunca o contrário.

O que pode ser feito por designers conscientes?

O design é notadamente uma área de atuação onde aspectos técnicos e humanos estão presentes em igual intensidade. No campo do design, as inovações tecnológicas interessam tanto quanto a compreensão da complexidade das relações humanas.

Se num futuro próximo, a Internet – e especialmente com o surgimento da Intenet 2, a nova fase da Internet, com aumento da capacidade de transmissão de dados – e os sistemas de informação computadorizados deverão ter uma presença cada vez mais incisiva nas atividades cotidianas, caberá ao designer a tarefa de intermediar a adaptação da tecnologia às especificidades dos diversos contextos sócio-culturais existentes.

A participação de grupos sociais diversos na construção de um mundo melhor, potencializada com o surgimento da Internet, dependerá em grande parte dos esforços dos profissionais de design, de maneira a permitir que o intercâmbio entre culturas não seja limitado pelas regras impostas por grupos minoritários que controlam o desenvolvimento tecnológico.

10 de março de 1999